Não sou feia nem bela. Nem boa e nem má. Nem nova e nem velha. Já fui de muitas tribos e já dancei muitos rocks; fui hippie, surfer, punk e gótica; já fui de muitos homens e já usei muitos cabelos. Já fui loira, ruiva e morena. Na verdade, hoje quero mais é ser comum. Mas é difícil. Na maioria das vezes, sou um ser humano arrogante, que vive buscando entender as razões de sua própria existência. Alguém que busca a si própria, mas nunca alcança, porque na maioria das vezes, buscar-se pode ser apenas abrir-se...e deixar as coisas virem...
Não é preciso de tantas coisas pra se viver satisfeito. Mas porque estou sempre à procura? Viver cada minuto, cada segundo. O tempo pode ser vivido como um terço, que apanhamos lentamente a próxima conta, depois de largar a outra.
Algumas desilusões me deixaram amarga. Decepções me fortaleceram. Mas não existiu nada, até agora, que tenha me tirado o prazer de viver.
Sou movida pelos mínimos prazeres que o mundo me concede. A chama trêmula de uma vela. O estalar da madeira queimando na lareira num dia chuvoso de inverno. O cheiro da terra molhada depois da chuva. Tirar os sapatos e andar descalça pelo chão frio num dia de calor. Acordar com alguém me olhando nos olhos, ou com o pelo macio da minha gata roçando meu rosto. E o vento? Adoro o vento. Ele penteia as lembranças de minha memória e a deixa pronta pra dar boas vindas a novos momentos...
Coisas comuns e banais, que me fazem viver um dia a mais que ontem.
Na verdade, eu sei o que procuro. Procuro a consistência do mundo. Já fui atrás de todo o amor, de toda a dor, de toda a beleza, de todo o pecado, de toda a pretensa felicidade, de todos os sonhos, do mar revolto, de todo o êxtase, do suicídio, de tudo o que pudesse fazer com que eu me sentisse...viva...e para que soubesse o quanto estou viva, muitas vezes tive que morrer...e muitas vezes morri.
Morri por amor, morri por não agüentar não saber, já morri por descuido, uma distração, um engano, um lapso...já morri por não caber inteira na vida, por não ter quem me quisesse inteira, morri por besteira....morri por você. E ao morrer, pude finalmente entender que a consistência da vida está nos olhos de quem consegue parar o tempo, viver o segundo, o momento, encontrar o tempo lento, antes que se desfaça em pedaços. Ah, se eu soubesse. Eu congelaria tantos momentos...
Aprendi a permanecer nesse silêncio oco. Ouvir meu próprio lamento. A torneira pingando. Meu coração batendo. O barulho do vento. Meus olhos piscando. Vejo tudo num tempo muito lento, onde as coisas se formam e se transformam. Vejo uma rosa nascer. Uma borboleta morrer. O sol repousar. O pássaro cantar. O ninho se desfazer. Um novo amor germinar...
Acordar com suas mãos quentes afagando o meu corpo. A minha pele sensível de sua barba mal feita. O banho purificador depois do amor. O cheiro de café no domingo de manhã. Palavras doces que saem da sua boca.
Mas ainda quero voltar. Voltar a viver. Buscar entender.
E então partir, para mais uma vez, em teus olhos morrer.