domingo, 26 de junho de 2011

TUDO MUNDO

As vezes me sinto caótica demais com a quantidade de coisas ao meu redor. Quantidade de imagens, quantidade de brinquedos, quantidade de roupas, quantidade de pessoas. Essa falsa "abundância" de tudo que temos em nossas vidas nos dias de hoje, quantidade de coisas e informações que não temos tempo prá digerir, nem selecionar. Eu me sinto saturada e vazia, porque não consigo me preencher simplesmente com "coisas". Fico admirada com meus filhos, que não se incomodam com isso. Com a facilidade que eles tem em lidar com esse "tudo"do mundo.

Quando era pequena, ganhava apenas um presente de Natal. Tinha poucos brinquedos, e os usava até ficarem bem velhos. Quando enjoava deles, eu inventava outras brincadeiras, ia no vizinho, brincava na rua. Brincava com a argila que encontrava no terreno. Fuçava as gavetas de casa. Certa vez encontrei camisinhas na gaveta do meu pai, e perguntei o que era. Ele me disse que era bexiga japonesa. Assim que tive a chance, peguei-as e enchi todas, para brincar. Não entendia porque meu pai gostava de balões transparentes e sem cores. Ao menos naquele tempo, não eram lubrificadas... 

Fotografia era para dias especiais. Hoje me incomoda demais ver quanto as pessoas fotografam o tempo todo.  Dei uma câmera digital de presente prá minha filha. Ela faz sequências de fotos que parecem filmes. Por vezes tenho vontade de dizer: pare de gastar ...gastar o quê? Filme? Diz ela, que nasceu nesta era digital. Agora sei responder: não, pare de gastar as imagens do mundo. Mas ela não entende isso, só tem 8 anos. Pare de invadir e banalizar todos os momentos únicos de sua vida. Mas isso não faz sentido prá ela. Pois ela busca eternizá-los. E fica aquela porção de imagens acumuladas, que não conseguimos jogar fora, e nem olhar o tempo todo.Percebo hoje que nunca poderia ser fotógrafa, apesar de adorar fotografar e ter feito fotos razoalvelmente boas. Me assusto com essas imagens que ficam prontas num instante. Não sei bem como lidar com isso. Sou uma anti-fotógrafa - com certeza, não estou falando de fotos artísticas de meus colegas fotógrafos, que são realmente incríveis.



Quando meu primeiro filho nasceu, ainda não tinha câmera digital. Mas mesmo assim, eu tirava ao menos uma foto dele por dia. As vezes eu me animava, e usava um filme todo de uma só vez. E sentia uma certa frustração, porque ao invés de aproveitá-lo bem ali na minha frente, eu ficava fotografando e ele querendo brincar. Me apaixonava pelas imagens e esquecia do original, da pessoinha que estava alí, na minha frente, num momento que nunca mais iria voltar. A sensação é de um cão que corre atrás da própria cauda. Criar, as vezes me dá a mesma sensação. Mas as vezes pegamos a cauda e a mordida dói. 

Me incomoda demais ver as pessoas usando o celular e digitar enquanto falam umas com as outras. Nem é mais falta de educação. Tornou-se um hábito consolidado. No teatro, no cinema, sempre estão coladas em seus celulares patéticos vendo não sei o quê. Uma vez, num espetáculo de dança, a luz do celular do cara da frente atrapalhava meus olhos e não conseguia ver direito o palco, que estava meio escuro. Fiquei indignada com isso. Acho que estou ranzinza e antiquada, e não consigo acompanhar os novos valores deste século. Mas muita gente da minha idade é assim também, então, acho que me tornei obsoleta. Minha família ficou assim,  meus irmãos, meus sobrinhos, meus amigos, meus alunos e em breve, meus filhos. Não sei porque não fiquei assim. Pensei que era porque não enchergava sem óculos, mas percebo agora que não. Na verdade, tenho um certo pavor de coisas que me controlam. Já basta o fumo. 

E quem sou eu para condená-los?
Várias vezes  me dou conta, da quantidade de pessoas que adiciono em minhas redes sociais. Amigo do amigo, todos os alunos, amigos de infância. Prá mim sempre foi um alívio que certas pessoas fossem embora da minha vida. Não porque não gostasse delas, mas  era mais fácil, prá sobrar espaço prá conhecer outras, prá dar atenção as novas pessoas. Mas hoje não consigo mais isso. Elas estão alí o tempo todo, sabendo como me procurar, como me achar naquela massa de gente que muitas vezes só me deu um oi na vida. Ou que as vezes, nem isso deu, mas é amiga daquele amigo que me conheceu. Nossa vida não tem espaço prá tanta gente; tem amizades que duram a vida toda, mas na maioria  das vezes tem um tempo certo. Se isso fosse verdadeiro, eu nunca me sentiria só, e constantemente é assim que me sinto, mesmo com 700 pessoas adicionadas em cada rede que tenho. Porque entrei nas redes? Porque me sentia só, e queria conversar. Mas sempre dá prá pescar alguém interessante aqui e acolá. Não é tão ruim assim.

Quando entro no computador e vejo a quantidade de imagens que juntei nestes anos todos, já me sinto incomodada, por não saber como organizá-las e não saber o que fazer com elas. E imagens são justamente aquilo com o qual trabalho. Eu me comunico com imagens. E ainda ensino como fazer isso.Constantemente fico saturada delas. Fico imaginando meus filhos e meus alunos quando tiverem a minha idade, como farão para lidar com tudo isso, com a quantidade de imagens que acumularão durante a vida. 
Também podemos optar por não organizá-las. Despejá-las e arquivá-las, e ver o que acontece. Esperar que dê um pau no equipamento e perdê-las todas. Várias vezes passei por isso. E é incrível, como não me fizeram nenhuma falta.

Já pensou se lembrássemos de todos os momentos que aconteceram em nossas vidas? Iríamos passar o tempo todo lembrando o que passou ao invés de viver algo novo. Novamente, o cão correndo atrás do próprio rabo. Porisso admiro tanto a imagem do uroboros. Nossa natureza é naturalmente seletiva.


Quando abro meu guarda-roupa vejo quantas coisas que comprei e não usei, a quantidade de sapatos para cada roupa e para cada momento. Porque não consigo mais ser uma pessoa só em todos os momentos? Porque tenho tantas faces? Qual vazio estou tentando preencher? Fui estilista por 15 anos, e acho interessante que as pessoas atualmente não possuem mais estilo. Elas tem "looks". Looks para cada momento de suas vidas. E não digo que não estou dentro disso. Mas não quer dizer que não procuro questionar o que estou querendo passar, o que quero comunicar, ao invés de simplesmente, parecer o que os outros esperam de mim.  

E isso não acontece somente com pessoas supérfluas não.Olho minha mesa atolada de materiais de desenho. Pastel seco, pastel oleoso, tintas espessas ou transparentes. Mil tipos de canetas e papéis. Muitas vezes, quando estou sem inspiração, caio perigosamente numa papelaria, e dou a mim mesma a desculpa que preciso de tudo isso, para que saia alguma idéia brilhante. Nunca deu muito certo. Acabo pegando um papel qualquer e um grafite, tentando romper as frustrações do meu insucesso, e deixo de lado as idéias sublimes. Na maioria das vezes estou com tantos materiais, tantas idéias na cabeça, que tudo perde o sentido, e nada se destaca. Olho para os meus livros na estante, e penso que estou fazendo uma bela biblioteca de livros não-lidos.

Quero aprender a deixar que o vazio tome conta de mim. Só assim é que virá o vislumbre daquilo que deve ser feito.

Porisso, as vezes adoro meu quarto vazio, sem muitas coisas. Adoro ficar sem falar com ninguém e lendo um livro, adoro ficar quieta e desenhar, adoro que ninguém me procure prá eu ficar em casa no final de semana, adoro ficar no silêncio para ouvir musica, adoro ligar a TV só prá ver videos que eu mesma escolhi. Tem dias em que falo aproximadamente com 70 pessoas. São dias em que as aulas são atendimentos de projetos individuais. Quando chegam os últimos, não tenho mais o que dizer. As palavras secam na minha garganta. Parece que estou com o mundo inteiro na minha goela. Sinto-me sufocada.

Acreditar que ainda posso fazer escolhas por mim mesma é algo muito bom. Ficar no meio de minha própria natureza vazia, e ser obrigada a aceitar minha própria companhia, me dá a sensação de estar vivendo por opção, e não sendo empurrada por uma enxurrada de tralhas que se penduram a minha volta. Levar comigo somente as poucas coisas boas, belas e verdadeiras que precisamos para nos manter vivos. Relacionamentos que tenham profundidade, imagens que ainda não se desgastaram, musicas que precisam ser ouvidas, livros que nos tragam aprendizados, filmes que escolhemos assistir. Sem contatos supérfluos. É o único caminho prá que possamos, como disse um amigo outro dia, ver "a beleza de cada pessoa". Conhecer alguém, e ao invés de querer saber quem é, ou o que faz, simplesmente peguntar: qual é a sua beleza?

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