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Estranha. tenho uma coisa entalada no peito faz dias. E aqui, tenho a chance de olhar meu próprio umbigo. Estou pintando e escrevendo. Tentando voltar a pintar. E está tudo uma droga, bem ruim mesmo. Teclado sujo de tinta. Já fiz isso tão bem, e agora não sai nada. Será que devo apagar meus fracassos? Ou deixá-los ali, como um lembrete, reconhecendo que sou impotente, que deixo minhas coisas de lado, que não posso controlar tudo, enfim, um lembrete de que tudo se esvai, não deixe que as idéias morram, mas como saber o limiar, do amadurecimento e do esvanecimento? Essa palavra existe? Pisei no vômito do gato. No momento não sou nada, não me sinto nada, e adoraria estar nos braços de alguém, prá não tentar mais nada, nem querer nada. Andei rindo e chorando, com o peito arfando, e um grande sufoco que não sai de dentro. Talvez venha de fora, e eu nem saiba. Dresden Dolls. Não quero mais usar minhas experiências emocionais prá criar. Preciso olhar para o mundo, através dessa névoa que encoberta as imagens. Preciso fazer algo que valha a pena, e não um simples despejar de emoções tolas. Se não vai pela pintura, vai pela escrita. Estou sendo dura, estou me dando uma dura. Preciso me perdoar mais, ser mais carinhosa comigo mesma. Estou brava, muito brava, me deixe em paz. Ufa. Acho que acalmei.Não tenho mais nada a dizer.
Não. Ainda não foi. Um trabalho bosta e um texto bosta. Desculpem por despejar tudo isso. Não gosto de ser assim, mas fui. As vezes o caminho se desvia, e é melhor confiar e deixar ir. Alguém me disse isso.Coisas novas podem surgir. Percebi que não tenho as cores de tinta que preciso. E que os pincéis estão pequenos pra esse tamanho de tela. E que estou muito veloz e preciso desacelerar. Oi, oi. Uau au. Ai, ai. Ainda bem que não uso cocaína. O que será que acontece, heim? Acho que ainda não foi. Proteja o meu coração, dos saqueadores e ladrões, diz o hino. Pode ir, criação. Foi alarme falso, nada demais vai acontecer. Já soube logo que depois dos trinta, a coisa não vem mais. Depois dos quarenta, voce tem que ir buscar. Nos cinquenta, voce faz acontecer. É isso. Também pensei nesta semana, nos tipos de humanos que tem por aí. Os conservadores, os transformadores, os desbravadores e os destruidores. Estou destruindo, hoje estou destruindo. Chega de conservar. Não quero mais guardar. Estou tentando desbravar, mas está tudo obstruído. Então, talvez eu deva transformar, é isso. Sou transformadora. Sou nada. Nada, nada. Sou o que quero ser. Pena que não sei o que quero. Ninguém manda mais em mim. Sou o que sou. Retire a ilusão, do meu coração, diz o hino. Bom. Chega. E o poeta, é um fingidor?
As vezes me sinto caótica demais com a quantidade de coisas ao meu redor. Quantidade de imagens, quantidade de brinquedos, quantidade de roupas, quantidade de pessoas. Essa falsa "abundância" de tudo que temos em nossas vidas nos dias de hoje, quantidade de coisas e informações que não temos tempo prá digerir, nem selecionar. Eu me sinto saturada e vazia, porque não consigo me preencher simplesmente com "coisas". Fico admirada com meus filhos, que não se incomodam com isso. Com a facilidade que eles tem em lidar com esse "tudo"do mundo.
Quando era pequena, ganhava apenas um presente de Natal. Tinha poucos brinquedos, e os usava até ficarem bem velhos. Quando enjoava deles, eu inventava outras brincadeiras, ia no vizinho, brincava na rua. Brincava com a argila que encontrava no terreno. Fuçava as gavetas de casa. Certa vez encontrei camisinhas na gaveta do meu pai, e perguntei o que era. Ele me disse que era bexiga japonesa. Assim que tive a chance, peguei-as e enchi todas, para brincar. Não entendia porque meu pai gostava de balões transparentes e sem cores. Ao menos naquele tempo, não eram lubrificadas...
Fotografia era para dias especiais. Hoje me incomoda demais ver quanto as pessoas fotografam o tempo todo. Dei uma câmera digital de presente prá minha filha. Ela faz sequências de fotos que parecem filmes. Por vezes tenho vontade de dizer: pare de gastar ...gastar o quê? Filme? Diz ela, que nasceu nesta era digital. Agora sei responder: não, pare de gastar as imagens do mundo. Mas ela não entende isso, só tem 8 anos. Pare de invadir e banalizar todos os momentos únicos de sua vida. Mas isso não faz sentido prá ela. Pois ela busca eternizá-los. E fica aquela porção de imagens acumuladas, que não conseguimos jogar fora, e nem olhar o tempo todo.Percebo hoje que nunca poderia ser fotógrafa, apesar de adorar fotografar e ter feito fotos razoalvelmente boas. Me assusto com essas imagens que ficam prontas num instante. Não sei bem como lidar com isso. Sou uma anti-fotógrafa - com certeza, não estou falando de fotos artísticas de meus colegas fotógrafos, que são realmente incríveis.
Quando meu primeiro filho nasceu, ainda não tinha câmera digital. Mas mesmo assim, eu tirava ao menos uma foto dele por dia. As vezes eu me animava, e usava um filme todo de uma só vez. E sentia uma certa frustração, porque ao invés de aproveitá-lo bem ali na minha frente, eu ficava fotografando e ele querendo brincar. Me apaixonava pelas imagens e esquecia do original, da pessoinha que estava alí, na minha frente, num momento que nunca mais iria voltar. A sensação é de um cão que corre atrás da própria cauda. Criar, as vezes me dá a mesma sensação. Mas as vezes pegamos a cauda e a mordida dói.
Me incomoda demais ver as pessoas usando o celular e digitar enquanto falam umas com as outras. Nem é mais falta de educação. Tornou-se um hábito consolidado. No teatro, no cinema, sempre estão coladas em seus celulares patéticos vendo não sei o quê. Uma vez, num espetáculo de dança, a luz do celular do cara da frente atrapalhava meus olhos e não conseguia ver direito o palco, que estava meio escuro. Fiquei indignada com isso. Acho que estou ranzinza e antiquada, e não consigo acompanhar os novos valores deste século. Mas muita gente da minha idade é assim também, então, acho que me tornei obsoleta. Minha família ficou assim, meus irmãos, meus sobrinhos, meus amigos, meus alunos e em breve, meus filhos. Não sei porque não fiquei assim. Pensei que era porque não enchergava sem óculos, mas percebo agora que não. Na verdade, tenho um certo pavor de coisas que me controlam. Já basta o fumo.
E quem sou eu para condená-los?
Várias vezes me dou conta, da quantidade de pessoas que adiciono em minhas redes sociais. Amigo do amigo, todos os alunos, amigos de infância. Prá mim sempre foi um alívio que certas pessoas fossem embora da minha vida. Não porque não gostasse delas, mas era mais fácil, prá sobrar espaço prá conhecer outras, prá dar atenção as novas pessoas. Mas hoje não consigo mais isso. Elas estão alí o tempo todo, sabendo como me procurar, como me achar naquela massa de gente que muitas vezes só me deu um oi na vida. Ou que as vezes, nem isso deu, mas é amiga daquele amigo que me conheceu. Nossa vida não tem espaço prá tanta gente; tem amizades que duram a vida toda, mas na maioria das vezes tem um tempo certo. Se isso fosse verdadeiro, eu nunca me sentiria só, e constantemente é assim que me sinto, mesmo com 700 pessoas adicionadas em cada rede que tenho. Porque entrei nas redes? Porque me sentia só, e queria conversar. Mas sempre dá prá pescar alguém interessante aqui e acolá. Não é tão ruim assim.
Quando entro no computador e vejo a quantidade de imagens que juntei nestes anos todos, já me sinto incomodada, por não saber como organizá-las e não saber o que fazer com elas. E imagens são justamente aquilo com o qual trabalho. Eu me comunico com imagens. E ainda ensino como fazer isso.Constantemente fico saturada delas. Fico imaginando meus filhos e meus alunos quando tiverem a minha idade, como farão para lidar com tudo isso, com a quantidade de imagens que acumularão durante a vida.
Também podemos optar por não organizá-las. Despejá-las e arquivá-las, e ver o que acontece. Esperar que dê um pau no equipamento e perdê-las todas. Várias vezes passei por isso. E é incrível, como não me fizeram nenhuma falta.
Já pensou se lembrássemos de todos os momentos que aconteceram em nossas vidas? Iríamos passar o tempo todo lembrando o que passou ao invés de viver algo novo. Novamente, o cão correndo atrás do próprio rabo. Porisso admiro tanto a imagem do uroboros. Nossa natureza é naturalmente seletiva.
Quando abro meu guarda-roupa vejo quantas coisas que comprei e não usei, a quantidade de sapatos para cada roupa e para cada momento. Porque não consigo mais ser uma pessoa só em todos os momentos? Porque tenho tantas faces? Qual vazio estou tentando preencher? Fui estilista por 15 anos, e acho interessante que as pessoas atualmente não possuem mais estilo. Elas tem "looks". Looks para cada momento de suas vidas. E não digo que não estou dentro disso. Mas não quer dizer que não procuro questionar o que estou querendo passar, o que quero comunicar, ao invés de simplesmente, parecer o que os outros esperam de mim.
E isso não acontece somente com pessoas supérfluas não.Olho minha mesa atolada de materiais de desenho. Pastel seco, pastel oleoso, tintas espessas ou transparentes. Mil tipos de canetas e papéis. Muitas vezes, quando estou sem inspiração, caio perigosamente numa papelaria, e dou a mim mesma a desculpa que preciso de tudo isso, para que saia alguma idéia brilhante. Nunca deu muito certo. Acabo pegando um papel qualquer e um grafite, tentando romper as frustrações do meu insucesso, e deixo de lado as idéias sublimes. Na maioria das vezes estou com tantos materiais, tantas idéias na cabeça, que tudo perde o sentido, e nada se destaca. Olho para os meus livros na estante, e penso que estou fazendo uma bela biblioteca de livros não-lidos.
Quero aprender a deixar que o vazio tome conta de mim. Só assim é que virá o vislumbre daquilo que deve ser feito.
Porisso, as vezes adoro meu quarto vazio, sem muitas coisas. Adoro ficar sem falar com ninguém e lendo um livro, adoro ficar quieta e desenhar, adoro que ninguém me procure prá eu ficar em casa no final de semana, adoro ficar no silêncio para ouvir musica, adoro ligar a TV só prá ver videos que eu mesma escolhi. Tem dias em que falo aproximadamente com 70 pessoas. São dias em que as aulas são atendimentos de projetos individuais. Quando chegam os últimos, não tenho mais o que dizer. As palavras secam na minha garganta. Parece que estou com o mundo inteiro na minha goela. Sinto-me sufocada.
Acreditar que ainda posso fazer escolhas por mim mesma é algo muito bom. Ficar no meio de minha própria natureza vazia, e ser obrigada a aceitar minha própria companhia, me dá a sensação de estar vivendo por opção, e não sendo empurrada por uma enxurrada de tralhas que se penduram a minha volta. Levar comigo somente as poucas coisas boas, belas e verdadeiras que precisamos para nos manter vivos. Relacionamentos que tenham profundidade, imagens que ainda não se desgastaram, musicas que precisam ser ouvidas, livros que nos tragam aprendizados, filmes que escolhemos assistir. Sem contatos supérfluos. É o único caminho prá que possamos, como disse um amigo outro dia, ver "a beleza de cada pessoa". Conhecer alguém, e ao invés de querer saber quem é, ou o que faz, simplesmente peguntar: qual é a sua beleza?
Tem gente que é tão deliciosamente comum, que tudo flui com naturalidade, com uma leveza incrível.
Tem outros que são tão densos e intricados que saem aos trancos.
Algumas plantas florecem o ano inteiro, e nem sequer são notadas.
Outras só florecem uma vez por ano, e são de rara beleza; ou talvez nem fossem, se estivessem alí o tempo todo. Mas todos ficam esperando elas aparecerem.
Tem certos dias em que meu coração não cabe no peito.
Tem certos dias que sinto o que o mundo inteiro sente, e penso que sou eu quem estou sentindo.
Tem certos dias em que não quero criar vínculos com nada, para que não exista nehuma parada ou ponto de partida. Nem desenhos nem escritas.
Escrever é como correr atrás do tempo, o tempo todo. Apanhar o próprio pensamento, enquanto ele escapa pelas mãos, pelos vãos dos dedos. É como se ele já estivesse sempre pronto, sempre acontecendo.
Quando desenho penso com imagens. Desenhar é dar uma forma possível para algo indizível. O papel vai desenhando-se na minha frente. Ocupa-se um espaço.
Tem certos dias em que não caibo aqui dentro. E tento me expressar por todos os poros, mas só saem fragmentos e solavancos.
Há quanto tempo não ando por aqui. Fechei para balanço, e não havia muita coisa que eu quisesse compartilhar. Muitas mudanças, muitos padrões que se quebraram, muitas coisas que brotaram, e de repente, lembrei-me deste espaço. Então, vou voltando aos poucos. Definitivamente, pretendo sair do meu casulo. Definitivamente, me sinto muito só. E antes que eu não consiga mais me comunicar com palavras, tentarei, aos poucos, em passos de formiga, me conectar ao mundo deixando o registro das minhas impressões. Não quero mais esconder-ma atrás de imagens, nem personagens, nem mistérios. Cansei-me de não mostrar o que sou, nem o que penso. Camulflar sentimentos atrás de palavras difíceis. Ser um mistério que ninguém quer descobrir. Cansei das fotos pousadas, das coisas não ditas.
Vivo tentando saber o que vim fazer aqui. Alguns acham que é perda de tempo, mas eu não. Não sei como tantas pessoas conseguem comer, trabalhar, fazer o que os outros mandam sem questionar, nascer e morrer sem pensar sobre isso. Alguns arrumam motivos nobres, justificativas interessantes e tal. Alguns acham que é assim e pronto. Outros acham que é uma tremenda sorte. E depois de tantos anos que passei, tão cética e tão materialista, acredito que estou aqui por um motivo espiritual. Para uma evolução, para um entendimento. Para lembrar porque vim aqui. É isso. Quero me lembrar. E transformei isso num modo de vida. algumas vezes, quase me lembro. Em outras, lembro de verdade, mas quando tento pensar a respeito, tudo escapa, e me esqueço novamente.
Quando me lembro, tudo se encaixa num plano perfeito. Todos os fragmentos e contratempos formam uma espécie de teia que sobrevoa minha vida o tempo todo. Tudo se completa de uma forma extremamente bela e tão perfeita, mas é um vislumbre tão rápido, que passo grande parte do meu tempo tentando encontrá-lo. Em imagens. Em livros...num filme que vejo...mas quando vejo novamente não é a mesma coisa. Acho que isso é a voz de Deus. É nosso lado divino. Que pode estar em toda parte, tão óbvio, que não reconhecemos de cara. Alguns artistas, filósofos, místicos, também pensam assim. O artista encontra suas respostas por meio da emoção. Mesmo que passe isso de uma forma mental, como estou tentando fazer. Encontram quando exercem o seu dom. O dom, que justamente é o que dizem ser algo divino.
Para muitos, ser artista é ser alguém incrível, alguém que faz as coisas simples e banais serem sensacionais. Para outros, ou para a maioria, é um cara com um parafuso a menos, inadequado para ter uma vida comum.
Prá mim não é algo tão simples. Muitas vezes é como nascer sem pele, ser em carne viva. Ser pinicada o tempo todo, sem nada prá me proteger. Qualquer sentimento ou emoção, por mais insignificante que seja, toma proporções enormes. E depois, aguentar, além da dor, as broncas e chamadas dos outros, nos dizendo o quanto somos frágeis, estranhos ou inadequados.
Mas muitas vezes, não é só isso. A falta dessa "casca" proporciona algumas grandes vantagens. É isso o que nos move, e nos faz ser tão criativos. Criamos peles ou cascas diferentes prá nos proteger, ou podemos atingir estados de emoções e sensações impensáveis. Caminhar por reinos jamais conhecidos. Pensamentos que nunca foram pensados. Emoções que nunca foram sentidas.
Mas, prá isso, é preciso coragem. Coragem prá assumir e habitar esse corpo sem casca.
Um dia desses um aluno me falou: nossa, professora, como a senhora está bonita hoje. E eu respondi sem pensar: é que meu espírito está dentro do meu próprio corpo. É isso. Estar presente o tempo todo, no prazer ou mesmo na dor, podemos encontar beleza. Olhar nos olhos das pessoas, sentir o que elas sentem. Sentir o que elas são.
Procurar o sorriso ingênuo do meu filho quando pequeno em seu rosto de homem. Observar os cílios longos e pretos da minha filha pequena enquanto dorme. O tom de verde claro das plantas enquanto o Sol se põe. A cor do pêlo dos meus gatos combinando com o tapete.
Eu quero aquilo que é. Que está aqui, mas que não se mostra. Eu quero mais que tudo estar presente neste mundo, sem estar virada de costas.
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